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Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

A jornada do Cannes Lions para reparar falta de júri diverso

Após críticas em relação a delegação de jurados brasileiros, organização desenvolve painéis e metas para tornar seus avaliadores e programação representativa da população

Thaís Monteiro
20 de junho de 2022 - 11h26

(Crédito: Celina Filgueiras)

Anunciado o júri deste ano, a organização do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions foi criticada pela falta de jurados negros entre os brasileiros que estão definindo quem serão os ganhadores de Leões. Dos 30 nomes que atuam no País ou desenvolveram a maior parte de suas carreiras no mercado nacional, havia apenas um negro: Angerson Vieira, diretor executivo de criação da Africa e que está no júri de Direct.

Diante disso, o coletivo sem fins lucrativos Papel & Caneta redigiu uma carta ao CEO do Cannes Lions, Simon Cook, com apoio da Chapa Preta, que preside o Clube de Criação, do Auê Creators, hub de impacto e inteligência cultural, e do Conselho do Coletivo Publicitários Negros, questionando essa seleção. O coletivo ainda dava a possibilidade de apoiadores publicarem a carta via Twitter marcando Simon Cook. Cerca de mil pessoas twittaram no primeiro dia.

Diante das críticas, o CEO do Cannes Lions publicou uma resposta endereçando a questão, admitindo que a organização errou na seleção dos jurados brasileiros e que está comprometida a ter júris mais representativos. Assim, o festival anunciou oito novos jurados para a fase de pré-avaliação remota dos cases. Essa pré-avaliação é realizada pelo Festival há algum tempo e visa facilitar os trabalhos dos júris das categorias que contam com uma quantidade maior de peças inscritas. Seis deles são negros: Dilma Campos, CEO da Outra Praia (Brand Experience & Activaction); Felipe Silva, sócio e CCO da Gana (Social & Influencer); Gabriela Rodrigues, head de cultura e impacto da Soko (Media); Joana Mendes, presidente do Clube de Criação (Print & Publishing); Patricia Moura, head of content da Gut (Entertainment); e Heloisa Santana, presidente da Ampro (Mobile).

Esses profissionais não participam do festival diretamente da Riviera Francesa, pois avaliam os trabalhos antes do período do festival, de forma remota, já para definir as listas a partir das quais os grupos de jurados presentes no evento definirão os cases vencedores de prêmios.

Além disso, na programação oficial do festival, abriu uma sessão com criativos brasileiros negros para destacar a diversidade de talentos no País e mudanças culturais ocorrendo. Além da nomeação de novos jurados, o CEO do Cannes Lions convidou todos os jurados brasileiros para uma reunião virtual para discutir os critérios de seleção do júri.

Mais diversidade

A organização do festival afirma que tomou medidas para aumentar a diversidade dos júris – com a representação de pessoas de cor no júri de premiação aumentando de 37% em 2021 para 47% este ano, e de negros, especificamente, de 8% para 13%. No júri de pré-selecção, 49% dos nomeados são racialmente diversos. Já a inclusão de mulheres chegou a 51% este ano.

Segundo o festival, há revisões para tornar a equipe mais inclusiva e redefinir o processo de seleção de conteúdo para minimizar o preconceito e incluir uma variedade de perspectivas e experiências de todo o mundo. Os palestrantes recebem uma pesquisa de contribuição do DE&I para ajudar o Cannes Lions a identificar a composição de seus colaboradores. Há, ainda, a possibilidade de profissionais criativos se candidatarem ao Conselhos de Crescimento Global para o Progresso, que se reunirão no festival e ao longo do ano para abordar cinco áreas prioritárias identificadas pela indústria.

No final deste ano, Simon Cook virá ao Brasil para conhecer o mercado e organizações relevantes que podem ajudar a conectar com o talento criativo negro. “Levamos a sério nossa posição como líder do setor e nos comprometemos a representar, em vez de refletir, a comunidade criativa global hoje, para mudá-la no futuro. Como parte de nosso trabalho contínuo de DE&I, revisaremos maneiras de trazer continuamente novas perspectivas e garantir que reflitamos a sociedade e não apenas a indústria. Temos o compromisso de revisar nossos critérios, aumentar a transparência sobre a representação no país e garantir que os júris em nível de país sejam representativos da sociedade. Nosso trabalho sobre isso continuará pós-eestival, com mudanças incrementais implementadas em tempo para festivais futuros”, diz a organização.

Pequeno passo

Para André Chaves, do Papel & Caneta, ver ações práticas como essas, caso cumpridas, são bons indicativos de que passos estão realmente sendo feitos, principalmente se tratando da maior premiação da indústria, que tem influência sobre o mercado como um todo. “Cannes Lions tem o poder de inspirar toda a indústria, uma vez que é o maior encontro de profissionais de marketing e criatividade do mundo, e que tem tanta influência na rotina de lideranças de todo o mercado. Exigir uma mudança é fazer com que as mudanças se acelerem a partir do exemplo. Saber que um evento tão importante fez algo para mudar pode acelerar outros eventos e profissionais a fazer o mesmo”, contextualiza.

Apoiador da carta, o Coletivo Publicitários Negros, grupo formado por mais de 2.800 profissionais negros do mercado brasileiro de comunicação, acredita que a inclusão de novos jurados representa um pequeno passo para a transformação, bem como a inclusão de talentos negros com espaço de fala no palco global e a disponibilidade para rever estruturalmente como estabelecer nas próximas edições um panorama mais democrático e inclusivo.

Para Luna Lima, presidente do Publicitários Negros, a falta de representatividade no júri revela um mercado que discursa em prol da diversidade, mas que ainda tem raízes estruturais a serem tratadas. “O fato de Cannes Lions não ter tido publicitários negros no seu júri brasileiro quando ele foi divulgado diz muito sobre o mercado como um todo e mostra o quanto a gente precisa ir além de campanhas publicitárias, que muitas vezes servem simplesmente para mascarar e ser fachada de questões estruturais que precisam ser revistas para que a gente tenha a mudança de verdade. Porque, se você não tem quem conheça, apresente e valorize as nuances da publicidade feita para população negra no Brasil sentando a mesa, tendo espaço e voz, está reproduzindo um processo de exclusão e retrocedendo ao invés de inovando”, defende. Segundo ela, um próximo passo deve ser a revisão da representatividade nos cases e também nos júris presenciais.

Falta incentivo

Adicionado a isso, Chaves denuncia a falta de representatividade na lista de palestrantes. Além da própria responsabilidade da organização no convite aos speakers, há, ainda, o custo de ir para Cannes, na França, que é inacessível para muitos. “Primeiro, é preciso que o Festival queira e encontre maneiras para que mais vozes brasileiras se inscrevam para o processo de seleção do Festival, quando eles solicitam sugestões de painéis e palestras. Segundo, ir para Cannes custa muito caro. Ou seja, se a pessoa não estiver no topo de uma grande agência ou de uma marca, é praticamente impossível desembolsar quase R$ 30 mil para estar nesse espaço. Portanto, falta representatividade porque ainda faltam políticas de incentivo para que mais e mais nomes apresentem ideias para painéis e, acima de tudo, faltam práticas por parte do festival para quebrar essa barreira financeira que ainda é tão elitista e excludente”, argumenta.

Além das metas traçadas pela organização do Cannes Lions, os coletivos que se posicionaram em relação à seleção do júri também estabeleceram formas de manter os olhos nas promessas. Segundo Luana, a cobrança já ocorre de forma frequente, dando espaço para a escuta da organização e construção de medidas efetivas e assertivas, mas o coletivo Papel & Caneta ainda estabeleceu que, se até o ano de 2023 a organização não reavaliar os critérios de seleção e definir um time de especialistas no Brasil disposto a fazer diferenças, “tudo que aconteceu este ano poderá se repetir novamente”, diz Chaves. “O que a carta e o resultado nos dizem é que, felizmente, o festival está aberto para ouvir. No entanto, entre ouvir e mudar uma estrutura interna que ainda está tão enraizada existe uma distância. E é isso que espero acompanhar até 2023 para poder dizer se tudo feito até agora foi apenas uma manobra política ou se foi uma evolução”.

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