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Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

Cannes recebe a publicidade transformada pela pandemia

Sociedade pós-Covid se reflete no modo de criação e nos cases presentes no festival, que devem dar mais espaço à busca por soluções para problemas socioeconômicos, ambientais e desigualdades


19 de junho de 2022 - 13h19

Bárbara Sacchitiello e Isabella Lessa

“The Lost Class”, da Leo Burnett Chicago: senso de propósito continua sendo tendência

Com o retorno à Côte d’Azur após um hiato de três anos, a comunidade criativa espera que o Festival Internacional de Criatividade de Cannes também traga de volta doses significativas de encontros informais que favorecem, justamente, o exercício criativo. Se nos últimos dois anos o evento foi inevitavelmente marcado pelas inscrições e premiações de cases que dialogavam diretamente com questões da pandemia, neste ano muitos trabalhos exploram uma variedade mais amplas de temáticas. As produções, da mesma maneira, deixaram de ser majoritariamente remotas, o que tem refletido em mais inteiração entre agências, clientes e produtoras.

No período de home office, profissionais de criação deixaram as costumeiras reuniões lado a lado para aprender a criar juntos, mas através de telas. Nas produções, os vídeos assists se tornaram comuns e provaram sua eficiência. Para Edgard Gianesi, diretor executivo de criação da David São Paulo, depois de um tempo considerável sem reuniões ao vivo, o time criativo da rede de agências tem se beneficiado dos encontros nas sedes físicas. “O velho e bom encontro continua sendo útil. Tivemos uma reunião do nosso Creative Council em Madri e foi diferente poder contribuir sem as barreiras tecnológicas: em um call, se falo em cima de você não ouço nada do que você falou, ao contrário de uma conversa cara a cara”, afirma. Rafael Pitanguy, CCO da VMLY&R, corrobora afirmando que a informalidade é, por essência, criativa e que, portanto, o trabalho presencial é produtivo nesse sentido. “Em um encontro no corredor, podemos trocar opiniões, discutir uma ideia, criar uma campanha. Tudo isso sem horário marcado para se falar sobre este ou aquele cliente”, diz.

Para além da alteração prática das dinâmicas de trabalho — que passaram a conviver mais ativamente com o uso das telas e das ferramentas digitais, além de terem dado espaço para novas divisões nos espaços de trabalho — existe uma modificação mais sutil e sensível, que pode ser sentida no ofício criativo. “As fragilidades do mundo ficaram muito mais expostas e a interdependência das pessoas, mais evidente. E isso se traduz também no fazer criativo. Hoje, vemos muito mais marcas atuantes socialmente e projetos compromissados com a construção positiva desse novo mundo”, avalia Pitanguy.

A busca por projetos de impacto, conforme descreve o criativo, está presente em campanhas premiadas em Cannes e nos demais festivais de criatividade em anos anteriores, a exemplo de “Eu Sou”, da VMLY&R para Starbucks: o projeto ganhou Grand Prix na categoria Glass, o primeiro da história da publicidade brasileira. O mesmo vale para os trabalhos inscritos neste ano e que estão listados no shortlist: “Real Tone”, da T Brand Studio com W+K Portland e Gut Miami para o Google, e “Dot Pad”, da Serviceplan para a Dot, são exemplos de campanhas que envolvem propósitos que extrapolam a comunicação em si. Ambas constam nos shortlists de Innovation e Titanium desta edição do festival.

As temáticas destes e outros cases evidenciam que o senso de propósito continua sendo uma tendência na comunicação — e não uma tendência de Cannes, diz Felipe Luchi, que lançou a produtora Santeria em dezembro de 2020. “Ao premiar esses trabalhos, o festival está repetindo as tendências de mercado no mundo”. Ele afirma que essas conversas das marcas com temas como racismo, meio ambiente e KPIs para além do lucro começaram internamente e estão se refletindo nas campanhas. “Uma das peças favoritas, ‘The Lost Class’, da Leo Burnett Chicago, é um exemplo disso”, diz. Segundo Luchi, os protocolos sanitários nas produções estão significativamente mais brandos e o que se impõe como desafio neste momento é o impacto da inflação sobre todas as áreas, inclusive sobre as produções.

Com a volta das produções presenciais, mesmo com número limitado de pessoas no set, a colaboração entre diretores de cena e criativos torna-se mais fluida, ainda que seja prematuro dizer que o impacto disso será visível já nesta edição de Cannes em 2022, pondera Gianesi. Segundo ele, os criativos retornam à Riviera Francesa para reviver uma espécie de ano novo: o ano fiscal do publicitário vai de Cannes até Cannes, já que algumas ideias começam seu ciclo no festival e desaguam em outros, como Clio e D&AD, e vice-versa.

Legado pós-pandêmico

Mesmo que haja uma transição para um contexto pós-pandêmico, os legados da Covid-19 deixam marcas em diversos campos que impactam modelos de negócios, resultados e, claro, o discurso dos anunciantes. Crises na economia, na saúde pública, consequências emocionais, desemprego, fome e ascensão de violência e polarização são pautas que devem balizar a criatividade das marcas daqui em diante.

Inegavelmente, o contexto atual é mais favorável, do ponto de vista sanitário, do que nos dois últimos anos. As vacinas, sobretudo, associadas às medidas de prevenção, se ainda não sanaram totalmente, cercearam mais a disseminação do coronavírus, tornando as atividades presenciais possíveis, bem como a retomada das atividades. “Hoje em dia, propostas e propósitos vazios já não conseguem mais se sustentar depois de tudo o que passamos como humanidade. É imprescindível que as marcas provem sua relevância para a sociedade mostrando como de fato podem melhorar a vida das pessoas. Alguns dizem que as marcas têm muito mais poder e tração de mudança para a sociedade do que os governos. Concordo com isso de alguma forma”, opina Angerson Vieira, diretor executivo da Africa.

Hoje, o mercado dá ainda mais importância aos critérios de relevância e transformação em um projeto. “Sem dúvida nenhuma muitas das peças vão refletir as questões que são consequências da pós-pandemia, como uma maior visibilidade perante as desigualdades sociais”, destaca Deh Bastos, diretora de criação da Publicis Brasil. A criativa acredita que alguns dos trabalhos que serão julgados e premiados em Cannes nesta semana refletirão, de alguma maneira, um mundo ainda combalido pelos efeitos da pandemia ou, no mínimo transformado por ela. “Esse efeito será visível em muitos cases sociais que desnudam os números de pessoas em vulnerabilidades e também nos cases de produtos e serviços que agora precisam fazer sentido para comportamentos que envolvem a casa, o trabalho remoto, a relação próxima com a família dentro de casa”, exemplifica Bastos.

Refletir um mundo que já ficou diferente passa por questões nem sempre ligadas diretamente à saúde ou a questões financeiras. As pautas de ESG, por exemplo, que já vinham tendo mais espaço em Cannes e nos demais festivais internacionais antes da pandemia, ganham força quando debates sobre meio-ambiente e inclusão são fomentados em todo o planeta. A criativa da Publicis cita um case caseiro que, em sua visão reflete a maneira como a publicidade vem encarando de frente questões inevitáveis. O comercial “The Sustainable Ad”, criado para a Heineken, ocupou a tela das televisões do Brasil, em horário nobre, apenas com um fundo preto e uma narração que dizia que a escolha pela não-exibição de uma peça publicitária era resultado da preocupação da companhia com a preservação e citava a economia que estava sendo feita com aquela ação, impulsionado as pessoas a, de alguma forma, também controlarem o consumo de energia em suas residências em prol da conversação do planeta. O trabalho foi inscrito pela Publicis Brasil para a edição deste ano do Festival.

Outro exemplo de case que toca em uma questão social brasileira é o único finalista nacional na categoria Glass, criada com o propósito de celebrar os cases que ajudem a impulsionar a equidade de gênero. A rede de materiais esportivos Centauro aproveitou o período da Olimpíada de Tóquio, realizada em 2021, para relembrar a história da atleta Aída dos Santos, única mulher a compor a delegação brasileira nos jogos de Tóquio em 1964. Na ação, a Tracylocke e a marca deram à Aída o uniforme que, na época, ela não tinha condições de usar para disputar as provas, uma vez que, se a situação esportiva no Brasil nunca foi das mais favoráveis, para as mulheres, era ainda pior.

O trabalho feito pela Publicis para a Heineken foi produzido já quando as equipes da agência voltaram a trabalhar juntas, modelo que, na visão de Deh, acaba sendo benéfico, do ponto de vista criativo, por algumas razões. “Muita gente do nosso mercado resignificou o trabalho presencial e encontrou uma forma híbrida de se ter o melhor dos dois, eu acredito demais que tivemos coisas boas como acesso a pessoas que moram longe da sede e até mesmo em outros Estados, mas também reconheço que trabalhando em casa os limites de horários ficam mais incontroláveis. Parte do processo criativo está na troca de referências, no compartilhamento de repertório e nisso a ausência do presencial faz muito falta”, conclui. Isso não significa, no entanto, que o formato remoto não pode resultar em um bom negócio. “Por outro lado, o trabalho remoto, as reuniões on-line nos mostraram que tudo pode ser mais simples, pode ser menos complexo”, complementa.

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