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Como Cannes estereotipou a mulher nos últimos 10 anos

Na média, personagens femininas dos comerciais inscritos no Festival não trabalham, aparecem na cozinha, não são engraçadas e exibem roupas sensuais

Bárbara Sacchitiello
22 de junho de 2017 - 9h38

Campanha “Women Not Objects”, lançada no ano passado, alertava para a objetificação feminina, que foi detectada nos filmes que concorreram em Cannes (Crédito: Reprodução)

A mulher que apareceu estrelando as campanhas publicitárias que concorreram no Festival de Cannes nos últimos 10 anos é sexy, fala pouco, não trabalha, fica quase sempre em casa (sobretudo na cozinha), não parece ser inteligente, não é divertida e usa roupas que revelam muitos detalhes do corpo.

Essa combinação de estereótipos foi extraída da conclusão de uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Geena Davis em parceria com a J. Walter Thompson, que contou também com o apoio de um software desenvolvido especialmente pela USC Viterbi School e com o Google, que fez uma varredura nas peças publicitárias que concorreram ao Festival de 2006 a 2016 nas categorias Film e Film Craft. Um recurso tecnológico identificava, em cada cena, quando cada gênero representava um comportamento estereotipado. Foram analisados mais de dois mil comerciais (todos criados por países de língua inglesa).

O resultado do estudo foi apresentado no painel “Skewing Females”, conduzido por Madeline DiNonno, CEO do Instituto Geena Devis e por Brent Choi, CCO da J. Walter Thompson de Nova York. “Se compararmos o Festival de Cannes deste ano com o de dez anos atrás, tudo é muito diferente. Antes, não falávamos em VR, em realidade aumentada, em uso de redes sociais nas campanhas. Então, como todas as tecnologias evoluíram, esperávamos ver os estereótipos de gênero também deixando de existir e evoluindo junto com a sociedade. Mas, no comparativo entre as representações masculinas e femininas nas campanhas de Cannes de 2006 e de 2016 a mudança é de 0%. Isso me deixou muito chocado”, declarou o CCO da J Walter Thompson.

Embora nesse período tenham surgido importantes trabalhos criativos que ressaltam a força feminina e a importância da equidade de gênero (como “Like a Girl” e “Retratos da Real Beleza”), na média, a reprodução dos rótulos e dos papéis atribuídos a homens e a mulheres na sociedade ainda persiste nas campanhas. “Nossa sociedade está mudando e, quando isso acontece, a publicidade muda também. É importante ver esses números para saber que as mulheres ainda são mostradas de maneira muito estereotipada. Nos comerciais, quase nunca aparecemos trabalhando ou andando na rua. Não somos engraçadas, não lideramos equipes e também não podemos envelhecer. E essa pesquisa foi feita apenas com filmes que concorreram a Cannes. Imaginem, então, como que ainda é a média da publicidade no mundo”, criticou Madeline.

Nesses comerciais inscritos em Cannes, os homens aparecem trabalhando em 75% das peças. No caso das mulheres, a representação do trabalho cai para 8%. Em vez de disso, as agências insistem em, ainda, manter as personagens femininas dentro do lar: em 48% das peças, elas aparecem na cozinha. Outros rótulos também foram encontrados nas personalidades retratadas na propaganda. Os homens dos comerciais são três vezes mais inteligentes e duas vezes mais engraçados do que as mulheres.

O preconceito em relação ao envelhecimento também foi detectado pela pesquisa – e, obviamente, atinge mais as mulheres. A média de idade das personagens femininas dos comerciais é 20 anos, enquanto dos homens é 30 anos. A objetificação também ficou evidente no estudo, que mostrou que as mulheres aparecem com roupas sensuais nos comerciais seis vezes mais do que os homens.
Os dados da pesquisa surpreenderam a plateia e os próprios palestrantes que conduziam o painel. Embora exista a ideia de que as mulheres costumam falar mais que os homens, em Cannes a presença do sexo feminino ainda é mais figurativa. Nos comerciais analisados, os personagens masculinos falam sete vezes mais do que as personagens femininas. Os homens também aparecem quatro vezes mais do que as mulheres, em média. De todos os filmes publicitários analisados, 25% mostram apenas personagens homens. Somente 5% apresentam apenas mulheres.

Para Madeline, reconhecer essas falhas é importante para que a publicidade possa rever seu papel e inspirar garotas a terem diferentes comportamentos. “Nos últimos anos, nos Estados Unidos, o interesse das meninas pela prática de arco e flecha aumentou consideravelmente. Isso aconteceu por causa dos filmes ‘Valente’ e ‘Jogos Vorazes’, que mostravam meninas usando o arco. As meninas precisam ver para, depois, tentarem ser aquilo. E a publicidade tem essa importância de mostrar as possibilidades”, frisou.

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