Cannes Lions
20 A 24 DE JUNHO DE 2022
20 A 24 DE JUNHO DE 2022
Com maior presença de mulheres, negros e profissionais de outras etnias nos grupos de julgamento, Cannes vem se destacando pelo reconhecimento a trabalhos que abordam racismo, equidade de gênero e inclusão
Bárbara Sacchitiello
19 de junho de 2019 - 10h51
Antes de comentar o case vencedor do Grand Prix de Digital Craft, categoria da qual foi presidente, Rei Inamoto pediu licença aos presentes na coletiva de imprensa para fazer uma observação. “Quero dizer que é a primeira vez que sento nesse palco dos presidentes de júri e vejo que o Philip Thomas (CEO do Cannes Lions) é o único homem branco presente na mesa.”
Nascido e criado no Japão, o sócio e fundador da Inamoto & Co estava sentado ao lado de Rebecca Skinner, norte-americana, branca e diretora executiva da Superprime Films, presidente do júri de Film Craft. Na outra ponta da mesa estava Trevor Robinson, britânico, negro, fundador e diretor executivo de criação da Quiet Storm, que presidiu o júri de Industry Craft e carrega no sobrenome a condecoração da Ordem do Império Britânico por ter desenvolvido o projeto “Create Not Hate”, que encaminhava e formava jovens carentes e marginalizados na carreira da publicidade.
A composição da bancada do júri dessa terça-feira, 18, representa visualmente a percepção observada por Rei Inamoto e reflete uma nova face que a edição 2019 do Cannes Lions tem apresentado. Por um esforço da organização em promover equidade de gênero e diversidade cultural, o Festival tem um número maior de mulheres, negros, asiáticos e de profissionais que, por muitos anos, eram pouco números no palco do principal evento de criatividade do mundo.
Do total de 27 presidentes de júri escolhidos em 2019, a maioria (16 pessoas) ainda é de profissionais brancos. Outros tons e cores, no entanto, começam a ficar mais presentes. Quatro desses presidentes são de origem asiática; outros quatro são negros e três são latino-americanos. Embora a quantidade de presidentes seja uma fatia pequena comparada ao quadro de todos os membros do júri, essa configuração sinaliza uma mudança em Festival que, há anos, assumiu que precisava promover esforços para ampliar a pluralidade de seus corredores e salas de júri.
Além dos membros de seus times de jurados, Cannes também está mostrando outras cores e tons em muitas das peças premiadas com Leões. Dos 10 Grand Prix concedidos nos dois primeiros dias do evento, metade foi entregue a cases que, de forma direta ou indireta, tocavam na questão do racismo (assista, abaixo, reportagem em vídeo sobre o assunto). Outros dois GPs consagraram trabalhos que mostravam soluções para pessoas portadoras de necessidades especiais. E, além dos Grand Prix (prêmio máximo de cada categoria) não faltaram Leões de Ouro, Prata e Bronze para cases que chamavam a atenção para a equidade de gênero, destacam a presença feminina no esporte e mostravam algumas alternativas de inclusão.
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Ao apoiar Colin Kaepernick quando o atleta se recusou a ajoelhar para ouvir o hino norte-americano (alegando que não se curvaria à bandeira de uma nação que mata a população negra) a Nike deu o recado de que o combate ao racismo também é parte de seu negócio. Além de diversos troféus, a peça já conquistou dois GPs no Festival. Outra proposta consagrada pela Nike foi a de transformar uma igreja abandonada, em Chicago, em um centro de treinamento de basquete, voltado aos jovens (e, na maioria), negros das comunidades locais. A categoria Entertainment Lions for Music, de uma vez, celebrou duas canções que carregam o grito anti-racismo em seus versos: os clipes “This is America”, de Childish Gambino e “Bluesman”, do brasileiro Baco Exu do Blues.
Sobre o prêmio brasileiro, inclusive, a própria presidente do júri de Entertainment Lions, Paulette Long, demonstrou ter se identificado com a mensagem sobre o racismo trazida pela música de Baco Exu do Blues. “Esse clipe traz um movimento e uma mensagem muito importante para um País com tanto racismo como o Brasil. Ele gera uma conexão e exalta a identidade. Eu também sou Bluesman”, disse a britânica.
Não é possível, diretamente, fazer associação entre a composição diversa do júri e a maior quantidade de prêmios concedidos a case que tocam em temas de racismo, desigualdade de gênero, violência contra às mulheres e acessibilidade. Afinal, são diversos os critérios que os jurados consideram para selecionar as marcas que são ou não merecedoras de troféus. Um ponto, no entanto, os membros da avaliação das peças de 2018 apontam como válido: quanto mais ideias e cabeças plurais se unirem para julgar peças, mais abertas e abrangentes serão as discussões, os pontos de vista – e, talvez, até os julgamentos.
Após ter celebrado a diversidade da bancada, Rei Inamoto, em conversa com a reportagem, ponderou que um júri com profissionais de diversas áreas e backgrounds pode ajudar na percepção e reconhecimento das melhores ideais, mas destacou que há outro ponto importante para a análise dos trabalhos que abordam temas sociais. “Houve um direcionamento de todas as peças inscritas para que, de alguma forma, as empresas apresentassem trabalhos que abraçassem as minorias, as pessoas com necessidades especiais e a questão racial. Essa é uma forma bem conveniente de ganhar Leões e havia muitas peças desse tipo na minha categoria. Sempre que vemos peças com temas sociais é muito importante estar consciente sobre o real valor daquele trabalho e entender se aquela marca está falando daquela causa apenas para fazer marketing ou se tem uma responsabilidade real com o tema”, ressaltou o fundador da Inamoto & Co.
Em entrevista ao Meio & Mensagem, Keka Morelle disse que era notável a diferença da configuração do júri de Outdoor, do qual participou deste ano, daquele em que ela esteve presente em 2006, em sua primeira vez como jurada no evento. “Naquele ano éramos apenas duas mulheres em um grupo de 16 pessoas. Desta vez éramos 4 mulheres, em um total de 10 jurados”, destaca a diretora-executiva de criação da AlmapBBDO.
Keka diz que a diversidade de gênero e cultural dá ao júri a oportunidade de trazer à pauta questões que poderiam passar despercebidas e cita um exemplo ocorrido em seu grupo. “O trabalho ‘Billie Jean King Your Shoes’, da Adidas, foi um exemplo e case em que ajudamos a explicar porque ela merecia Ouro. Para alguns jurados, aquela era só mais uma campanha fashion da Adidas, mas nós, mulheres, ajudamos a explicar que não. Que é a representação de uma senhora, do jeito que ela é, sem tentar parecer mais nova, com a história e a verdade dela”.
Participante do júri da estreante categoria Creative Strategy, Tim Morton, chief strategy officer da R/GA, nos Estados Unidos, destacou outro elemento de diversidade do júri que pode estar refletindo na escolha desses trabalhos. “Há dois tipos de diversidade. A primeira, claro, é o fato de o júri ter 50% de mulheres, algo que faz toda a diferença. Mas outro ponto importante é que nem todo mundo que está aqui é do ambiente de agências. Há profissionais de consultorias, de empresas de internet, de mídia e isso faz com que a gente tenha um olhar mais amplo e pense no impacto real das estratégias e trabalhos que estamos vendo hoje”, analisou o profissional.
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