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Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

Sobre exclamações, bagagem leve e banalidades

Primeira de muitas postagens


12 de junho de 2019 - 14h41

1, 2, 3, testando. Tem alguém aí? Faz tanto tempo que não escrevo para esse espaço que volto pisando como quem deseja evitar barulho e confusão. No sapatinho, como diziam os malandros que não faziam mal a ninguém, os bambas de outros tempos. Teclo agora com incertezas de quem ficou em silêncio.

É para falar sobre Cannes? Qual o tom usar? O tom edificante marinado com ervas professorais? Será que o meu texto vai resvalar em metáforas vazias? Como sobreviver aos próximos dias sabendo que teremos uma safra carregada de posts com uso excessivo de exclamações? Sim, eu julgo pessoas pela quantidade de exclamações que elas usam. Lembro de uma que usou 37 em um cartaz na agência. Isso antes do boom das redes sociais. Penso que hoje, ela deve se  comunicar sem usar uma palavra que seja. Vive em uma dieta de emojis, stickers e as benditas exclamações.

São anos sem pisar em Cannes. Entrei no avião pensando nesse tempo, no significado que isso carrega, na distância saudável. Quando estava quase formulando um texto, percebi a quantidade de brasileiros que viajam usando conjunto de moletom. De preferência, com logos grandes. O casal à minha frente era Fendi com Armani Exchange. O Brasil chega em qualquer canto do mundo com o ouro em moletom e tênis de corrida. É craft puro nesse quesito.

Outra medalha que conquistamos em aviões: povo mais veloz entre o aviso de desatar cintos e ficar de pé no corredor segurando a mochila. É muita energia. Coisa para abastecer uma pequena cidade. Outro dia, um rapaz que estava tranquilo na 21B chegou na fileira 5 em 2 segundos. Voando nós somos todos Bolt.

Mas era sobre Cannes que eu falava. De um lugar que vou pela primeira vez como jurado. Pesei a mala no embarque. O funcionário estranhou:

– Senhor, a sua mala está leve.

– Sim, algum problema.

– O senhor não está indo como jurado?

– Correto.

– E o peso da rede e a cobrança por resultados, por pontos? Não está levando?

Viajo estranhamente leve. Tirando a parte na qual eu aceito tudo o que me oferecem no avião. Quer água? Quero. Quer pão? Quero. Quer um chocolate que achamos perdido embaixo de uma poltrona? Quero. E fico indignado quando não aceitam do meu lado. Preciso me segurar para não falar: quero por ele. No momento em que digito essas linhas, estou de frente para um potinho de geleia de morango que a aeromoça me entregou. Não pretendo devolver. O que me lembra a obsessão por pequenos shampoos de hotel. Mas deixa para lá. São coisas de quem já levou de brinde até um troço para ajudar a calçar sapatos sendo que eu não tenho sapatos.

É sobre Cannes, né? Vou tentar escrever algumas histórias antigas, expurgar fantasmas pessoais (sentimentos, não trabalhos), peculiaridades, trazer um olhar menos LinkedIn, um pouco de banalidade, talvez. Vou buscar mais chão do que palco.

Anos atrás, o Marcão Medeiros, meu dupla e sócio, foi jurado em Cannes. Estávamos a caminhar pelo calçadão ou a flanar pela Croissete para ficar chique, quando um cara o parou. Ele parecia transtornado, o que foi confirmado segundos depois. Ali, entre o mar e um carrossel, ele cobrava o Marcão de não ter recebido uma exclusiva do julgamento, que isso era um absurdo. Em certo momento, ele apontou o dedo em riste (adoro essa palavra). Fosse no cinema, seria aquela cena em que a música do carrossel fica lenta, que as pessoas olham em câmera lenta com descrença. Conhecendo meu dupla, aquele movimento foi uma péssima escolha. Os ânimos ficaram acirrados mesmo o cara sendo metade do tamanho,  alguns xingamentos, uma dose de realidade e o sujeito seguiu seu caminho resmungando. Volto para Cannes e relembro essa cena. Espero encontrar ideias com a coragem daquele dedo apontado para cima, mas com um fundamento mais relevante do que saber o que se passava na sala do júri.

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