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A reinvenção do CCO na era das holdings

Chefes criativos refletem sobre como seu papel, hoje, ao imprimir uma assinatura global na estratégia do cliente, vai muito além de ganhar prêmios


12 de junho de 2019 - 15h34

Por Lindsay Wittenhouse, do Advertising Age

(Crédito: Mary Ellen Forte)

Debbi Vandeven ri quando lembra seu ceticismo inicial quando a VMLY&R Polônia sugeriu comprar uma revista pornô para o jornal da qual era cliente, a Gazeta Wyborcza – que, entre os anunciantes, conta com apoio de Mastercard – com o único objetivo de fechá-la. É apenas uma das muitas situações em que ela precisa pesar os prós e os contras como global chief creative officer da VMLY&R, supervisionando 190 escritório pelo mundo.

A campanha com o semanário erótico está entre as iniciativas que a agência levará a Cannes esse ano, ao lado da “Roast Day”, criada para a marca Wendy’s, onde a rede de fast food literalmente “assava” (Roast, em inglês, é sinônimo de ‘tirar onda’) quem pedisse durante o dia 4 de junho. Além disso, levará a campanha com o Fortnite.

Dentro do jogo, a mascote da marca destruía todos os freezers em hamburguerias. Ao festival, a VMLY&R Dubai levará uma campanha em que busca unir famílias muçulmanas para a refeição que simboliza o fim do Ramadã.

Mas mesmo que Vandeven queira conquistar troféus na Riviera Francesa, seu papel não se resume a isso. Na verdade, global chief creative officers – que já foram criticados como profissionais ávidos por prêmios – estão tendo uma atitude mais crítica de seu papel na era das megafusões e soluções criativas de holdings inteiras para um cliente. Cada vez mais eles precisam criar uma identidade e uma assinatura ao trabalho da rede como uma forma de atração de novos clientes e talentos. Agências precisam cultivar suas próprias marcas. Médicos, curem a si mesmos.

Debbi Vandeven, CCO da VMLY&R

“Holdings precisam ter uma visão coerente e parte dessa visão coerente, talvez o ponto central dela, é o produto criativo”, afirma Nick Law, chief creatrive officer do Publicis Groupe e presidente da Publicis Communications.

Arrancando o mato
Susan Credle, global chief creative officer da FCB, que pertence ao grupo Interpublic, afirma que ela tem uma visão crítica do papel na forma que era modelado no passado. “Uma das grandes demandas uma década atrás era entregar uma certa quantidade de prêmios à rede global”, afirma Credle, que ocupa o cargo na FBC desde 2015. Antes, foi CCO da Leo Burnett USA. Mas “eu não tenho essa necessidade. Não entro em festivais para atingir tal número de prêmios”.

Ao invés disso, ela afirma que líderes criativos deveriam focar em fazer o melhor trabalho possível para o bem do negócio de seus clientes e, com isso, o reconhecimento virá.

“O que eu pensei que estava faltando em nossa indústria é um amor pelo que fazemos e a crença em nossas agências”, afirma Credle. “O que um global chief creative officer deveria estar fazendo agora é garantir que, como companhia, você não seja apenas um logo na porta. Tem uma diferença de papel em comparação a ganhar muitos prêmios”.

Quando foi pescada na Leo para o cargo atual, Credle afirma que o CEO da FCB, Carter Murray, disse: “Venha me ajudar a olhar para essa companhia e descobrir o que diremos sobre ela”.

A partir disso, ela construiu a marca FCB de dentro para fora – e não apenas no quesito criatividade. Um exemplo disso é que a executiva fez da agência um ambiente mais atento à sustentabilidade. Isso inclui trazer políticas ecológicas para dentro do escritório.

“Isso faz com que as pessoas se sintam orgulhosas de fazer parte da companhia”, afirma. “É uma ferramenta de retenção, e penso que atrai talento também. Não são valores como ‘nossa, somos legais’”.

Para Credle, seu trabalho é similar ao de uma jardineira.

Susan Credle, CCO global da FCB

“O jardim sempre parece igual, mas ninguém vê o mato que arrancamos”, afirma. “Esse é meu trabalho: ter certeza de que o mato não aparecerá; de que os insetos não destruam tudo enquanto você cuida das safras”.

Credle, entretanto, não está diminuindo o valor dos prêmios para a indústria publicitária. Ela apenas se preocupa com o poder de sedução deles. “É o suprassumo em que nós como indústria temos como valor”, afirma. “Todos podemos aprender ao olhar para o melhor do melhor que foi feito durante o ano. Ter um trabalho criativo melhor é bom para o cliente, para a indústria e para as pessoas lá fora que trombam com nosso trabalho”.

Dito isso, Credle adiciona que “sempre haverá redes em que o principal trabalho do global chief creative seja coletar uma certa quantidade de prêmios. O que eu vejo é que, às vezes, isso leva a comportamentos drásticos onde pessoas começam a curvar um pouco as regras”.

A dúvida continua
Mesmo que o foco das atribuições do global chief creative saia de prêmios, alguns ainda criticam a abordagem de cima para baixo que pode prejudicar a criatividade. É por isso que a Forsman & Bodenfors, do grupo MDC, eliminou a posição.

Guy Hayward, que foi chief executive da KBS e que se tornou CEO da F&B após a fusão das KBS com a operação sueca, afirma não acreditar em uma estrutura onde criatividade é delegada.

“Em uma estrutura hierárquica, muitos criativos passam a maior parte de seu tempo conquistando a aprovação de pessoas à cima e os que estão no topo gastam o tempo deles dando essa aprovação”, afirma Guy. Hayward afirma que os clientes da F&B estão interessados em ouvir de todos, incluindo os criativos júniores, que trabalham em sua conta.

A KBS se separou de seu primeiro global chief creative officer, Patrick Scissons, que agora é chief executive da Ostrich Algorithm, um estúdio de design e desenvolvimento de produtos que ele fundou. Sua saída veio em janeiro do ano passado, antes da fusão, realizada em setembro. O pensamento de Hayward era de que o papel do global chief creative era “tão distante do trabalho que era difícil observar seu impacto nos clientes”.

A global executive chairman da F&B, Anna Qvennerstedt, afirma que sua operação nunca teve um cargo de global chief creative, então foi fácil tomar a decisão de continuar esse modelo no momento da fusão das duas agências.

“Vindo da F&B sueca original, descobrimos que se você dá ao time total autonomia para trabalhar, isso cria motivação, afirma Qvennerstedt.

Artistas entre soldados
Law, do Publicis, afirma que ele fica “abismado” que qualquer pessoa questione o valor desse cargo. “Se você olha para as agências criativas, o produto deles é a criatividade”, afirma. “Isso que eles vendem. Em qualquer outra indústria, a ideia de que as pessoas de produto não deveriam ter um lugar na mesa é absurda. Em um período onde nossa indústria passa por uma série de problemas, é tempo de as pessoas de produto tomarem a frente”.

O pensamento dele coincide com o modelo do Publicis Groupe “Power of One”, que pretende prover consistência através de suas diversas marcas de agências.

Enquanto Law é um defensor aguerrido do papel de chief creative officer (para deixar claro, ele perderia o trabalho caso o Publicis decidisse tirar o posto), ele afirma que nem todos que estão no posto o fazem de forma correta.

Law afirma que ele não concorda que o único papel do global chief creative “é unicamente liderar criativos em universos paralelos desconexos ao negócio”, ou focar apenas em supervisionar a resultante criativa aos clientes e não em soluções criativas para a agência em si.

Ao contrário. Ele afirma que o papel do cargo deveria ser o de um artista entre soldados. Em outras palavras, um chief creative officer deveria ser o complemente criativo da visão de negócios do CEO e do CFO, operando de forma próxima a eles.

“É claro que precisamos ter a disciplina operacional para entender como conduzir um negócio. Caso contrário, ninguém será pago”, afirma Law. “Os artistas, que eu tenho chamado de pessoas de produto, tem como trabalho imaginar um futuro novo. O importante é que esses dois lados trabalhem juntos. Quando isso não funciona, você acaba tendo pessoas de negócios que tomam decisões que destroem o produto e pessoas de produto tomando decisões que destroem o negócio. Se não trabalharmos juntos, criamos mundos paralelos”.

Para Law, os profissionais de negócio podem tomar decisões que são ótimas em uma planilha, mas que “são arruinadoras de produtos”. Os global chief creatives devem garantir que isso não aconteça em suas agências.

Fazendo alquimia

Ainda assim, se você perguntar a Howard e a Qvennerstedt, uma rede de agências não precisa depender de apenas uma pessoa para manter uma visão criativa da organização inteira.

“Acreditamos nos times criativos e de atendimento com essa responsabilidade”, afirma Qvennerstdt.

Credle concorda com Law no ponto de que o global chief creative é um ativo central para o funcionamento da companhia como um todo.

“Para mim, o CCO global está olhando para a rede global e falando sobre quais os nossos valores, quais os nossos princípios, e quais nossas crenças quando o assunto é marketing e publicidade. Dessa forma, quando clientes estiverem procurando por uma agência, saberão o porquê deveriam nos escolher ou que não somos o parceiro certo”, afirma Credle. “E acredito que o papel do CCO global é realmente sobre trazer esses ativos globais para a mesma página”.

Credle afirma, ainda, que fazer isso é “olhar para a química de cada agência e ver onde estão suas fraquezas e seus pontos fortes. Se quiser ser uma companhia criativa, é a alquimia da companhia inteira”.

Líderes criativos: uma breve história
Greg Paull, fundador da consultoria R3, data a criação do cargo de CCO global em 2003, quando o WPP nomeou Neil French como global creative director. French foi obrigado a renunciar dois anos depois, quando afirmou que mulheres não mereciam chegar “ao topo” por conta de seu papel natural, que, segundo a visão do executivo, é de cuidadora.

“Nesse mesmo ano, David Droga se mudou para Nova York para assumir o papel de worldwide chief creative officer da rede Publicis depois de deixar o cargo de diretor criativo para a Saatchi & Saatchi Londres. Se esse papel sempre foi sobre coletar prêmios, Dogra era a pessoa perfeita para o cargo. Em 2011, ele já era o criativo mais premiado em Cannes. E em 2013, se tornou a pessoa mais nova a chegar no New York Art Directors Club Hall of Fame, entre outros reconhecimentos.

David Droga, CCO e chairman da Droga5 (Crédito: Eduardo Lopes)

Sua própria agência, Droga5, fundada em 2006 e recentemente adquirida pela consultoria Accenture, foi nomeada pelo Ad Age como Innovator of the Year em 2018, além de ter conquistado leões como agência independente do ano em 2015, 2016 e 2017.

Ainda assim, mesmo o Droga critica o título de CCO global.

“O título de global chief creative officer era ridículo e algo que meu ego de 34 anos não resistiu, ou que eu ousasse interrogar de forma correta, antes de assumir o cargo”, afirma. “Não demorou para que eu entendesse isso, não importa quais são suas intenções ou seu talento, você não pode influenciar o resultado criativo de nenhuma companhia criativa a não ser que você tenha um controle sério e poder para alcançar muito além do departamento criativo”.

Qaudno percebeu que era um “embaixador”, Droga afirma que pediu demissão para começar sua própria agência.
“Desde o primeiro dia, eu decidi que não seria apenas focar no lado criativo do negócio, mas entendi que era necessário entrar de cabeça na questão real do negócio da criatividade”, afirma. “Eu também criei o título creative chairman porque todo o resto parecia monótono”.

Novos agentes criativos
Enquanto o papel tradicional do CCO global muda nas agências, outros negócios incluindo consultorias e firmas de relações públicas começam a introduzir o posto para tentar fortalecer sua entrega criativa.
A Edelman contratou Judy John, que antes ocupava o cargo de CCO para a américa do norte de CEO da Leo Burnett. Ela é foi a responsável pela campanha da Always #LikeAGirl.

Já a Accenture também buscado um CCO global, apesar da consultoria não ter respondido aos questionamentos da reportagem.

Barbara Kahn, professora de marketing da universidade da Pensilvânia, afirma que ela entende a visão das grandes holdings, que prosperaram na consistência de seu trabalho operando numa estrutura hierárquica, em querer manter os CCOs em seus postos.

Mas ela afirma que houve uma mudança, em que os pensadores criativos trabalham de forma colaborativa mais próxima entre si, dependendo menos de uma única pessoa que delegue as tarefas.

Profissionais de marketing estão “realmente tentando se identificar com a comunidade e, então, criar produtos e serviços a partir do que o que a comunidade quer”, afirma Kahn. “Eles estão saindo de um ambiente focado no produto para um em que o principal é o consumidor. A ideia de um executivo dando ordens para baixo, que é o jeito antigo de fazer as coisas, não é necessariamente o que a comunidade quer para a marca.

O CCO global da Grey John Patroulis afirma que, inicialmente, ele não estava interessado em ocupar o cargo. “Não soava como algo que eu gostaria ou que seria realmente bom”, afirma.

Entretanto, Patroulis assumiu a posição em 2017. “Eu tinha desviado de cargos globais porque em alguns deles sentia algo de figurativo. Mas quanto mais conversava com o CEO da Gray sobre o que a agência precisava fazer para chegar onde queria, começamos a formatar isso, e eu fiquei cada vez mais excitado com a ideia”.

O papel dirigido a ele é um em que “tenho um pé de liderança criativa” na sede em Nova York e outro “na parceria com o CEO em liderar a visão para a agência de forma global e em como implementar isso”, afirma Paroulis.

Assim como Law e Credle, Patroulis afirma que seu trabalho não é centrado em conquistar leões, mas sobre “uma parceria criativa e de negócios”.

Ele afirma que “os melhores criativos na indústria” com quem trabalhou também comandam agências – incluindo John Junt, CCO global da TBWA.

“Não importa o quão criativo ou empático seja um líder, se ele não passou a carreira encarando uma página em branco todo dia, ele não irá ser capaz de responder verdadeiramente à pergunta: essa decisão fará o trabalho melhor?”, afirma Patroulis. “Porque eles nunca tiveram que encarar isso”.

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