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Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

O poder letal de um jornalista oldschool

Nestes tempos de influencers e youtuber, dá gosto de ver o poder letal de um jornalista inteligente e extremamente ferino


19 de junho de 2018 - 10h55

Em 2005, Michael Wolff escreveu a biografia autorizada de Rupert Murdoch. Mesmo autorizada, Murdoch odiou o que viu no espelho das páginas. Logo após o livro ser lançado, Michael Wolff foi banido da Fox (e de qualquer outro jornal ou TV de Murdoch). Os jornalistas não podiam nem citar o seu nome. Em 2016, a Hollywood Reporter convidou Wolff para fazer uma matéria sobre o então pré-candidato do partido republicano, Donald Trump. Ao chegar para a entrevista, Trump não sabia quem Wolff era. Quando seu staff explicou sobre o jornalista, nas palavras dele durante seu painel em Cannes, disse que viveu “os cinco minutos mais intensos de elogios e puxa-saquismo da minha vida. Até pensei ‘hey, esse Trump até que é legal’”.

“Após a entrevista, Trump me diz: depois daqui, quero que você venha na minha casa em Beverly Hills. A casa de Trump parece ter sido decorada com as sobras da reforma de um dos seus hoteis: muito dourado, móveis demais. E pessoas com cara de casting do filme Cassino jogando carta na ante-sala. Cheguei a procurar por Sinatra no ambiente.” Trump leva Wolff até a geladeira e pega dois potes de Haagen Dazs, um pra cada. “Era a única comida visível na geladeira. Dezenas de potes. E latas de Diet Coke. Well, the food of choice at the White House anyway”. Eles sentam-se e Wolff dispara: Mister Trump, what about Brexit? (Que iria acontecer dali a dois meses). What? pergunta Trump. Brexit! insiste Wolff. What? responde Trump novamente. Wolf percebe que Trump não sabe do que se trata e explica em detalhes o que é Brexit. Trump responde sem muito interesse: Yes, I agree with it.

Depois que o artigo é publicado, Trump é eleito e Wollf decide pedir pra entrevistá-lo de novo. Trump pergunta o motivo. Ele diz: quero escrever um livro. Trump: A book? (“like it was a waste of time. Who reads books anyway?”) Whatever! Responde Trump. E com esse “Whatever”, Trump permitiu que Wolff permanecesse durante sete meses na Casa Branca com acesso total. Segundo Wolff, “passei sete meses sentado num sofá num dos corredores da West Wing, que dá passagem para o Salão Oval. Todo mundo que importa passava por aquele corredor. Depois de duas semanas, virei uma espécie de decoração do local. As pessoas nem reparavam mais em mim. E pude falar com todos. Foi curioso. Em primeiro lugar, foi interessante ver aquela turma do mercado imobiliário assumindo o país mais poderoso do mundo.” Dirigindo-se para a platéia de publicitários com ironia: “Salesman! You should be able to like that, right?”

“Nas duas primeiras semanas, o pessoal de Trump só tinha certezas. Agora, é muito difícil lidar com um chefe que não entende o conceito de causa e efeito. Para Trump, tudo corre na velocidade de um reality show. Só o agora importa. E se um escândalo surgir, trazemos outro para encobri-lo. Ao longo dos meses, eu pude ver as diferentes fases do entorno: euforia, dúvida, desilusão, raiva e, finalmente, what the fuck am I doing here?. De qualquer maneira, eu me sinto orgulhoso de ser o autor do primeiro livro da história que um presidente americano tenta tirar de circulação. Eu não acredito que ele tenha lido Fire and Fury. Apenas recebeu reports com trechos. Aliás, não acredito que ele tenha lido qualquer livro. Mas tudo bem. Eu também não vi The Apprentice”. Nestes tempos de influencers e youtubers, dá gosto de ver o poder bélico de um jornalist a oldschool, inteligente e extremamente ferino.

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