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Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

Brasileiro José Papa estreia como CEO do festival

Em entrevista, ele fala sobre o gigantismo do evento e do investimento em projeto para startups e plataforma para membros assinantes

Alexandre Zaghi Lemos
13 de junho de 2017 - 18h27

Crédito: Divulgação

A 64ª edição do Festival Internacional de Criatividade de Cannes, que começa oficialmente no sábado, 17, será a primeira do brasileiro José Papa como CEO do Cannes Lions, cargo que ocupa desde o segundo semestre do ano passado.

Paulistano, Papa iniciou sua carreira profissional no mercado financeiro, no ABN AMRO Bank. Após estudar administração nos Estados Unidos, voltou ao Brasil para integrar, na área de projetos especiais, a equipe que lançou o portal iG, naquela época comandado por Nizan Guanaes. Ainda no mercado digital, passou pelo SeliG e pela rede wi-fi Vex. Depois, migrou para o setor de novas plataformas de mídia do canal ESPN e, posteriormente, para a empresa de entretenimento Time For Fun e para a área de estratégia corporativa e digital de O Estado de S.Paulo.

No jornal, que na época já era representante no Brasil do Cannes Lions, Papa teve seu primeiro contato profissional com o evento que agora dirige. Em 2012, ingressou na então Top Right Group, que mudou sua marca para Ascential no final de 2015 e fez seu IPO em fevereiro do ano passado na Bolsa de Londres. Na Ascential, chegou a CEO global da WGSN, cargo que ocupou até o ano passado.

Em março, em uma de suas mais recentes passagens pelo Brasil, Papa falou à reportagem de Meio & Mensagem sobre o novo projeto que pretende reunir cem startups no festival deste ano e os planos de lançamento de uma nova plataforma do Cannes Lions para membros assinantes. Leia os principais trechos a seguir.

GIGANTISMO CONTROLADO?

Nos últimos anos, o festival cresceu, e cresceu muito, mas em função do desenvolvimento e pulverização da indústria. Nós respondemos à indústria. O mundo da publicidade e o mercado de agências passaram por uma grande transformação, a pressão foi muito grande. Então, mesmo quando se questiona se o festival cresceu demais, é preciso entender que foi em função de atender a uma indústria que se transformou. A gente não pode ter vergonha do crescimento. O crescimento faz com que a experiência seja mais relevante, aumenta nossa capacidade de atrair um maior número de representantes de diversas áreas da indústria que, ao final, acabam por gerar um networking mais profundo. Nossa visão tem de ser bastante ousada para mostrar que crescimento cria uma espiral positiva e só traz benefícios para toda a indústria.

JÚRI MAIS ENXUTO

Tomamos decisões que vão de encontro com essa questão da grandiosidade, pois a gente não pode perder jamais a santidade do Leão. Para isso, reduzimos o número de jurados. Acreditamos que com um número menor, a análise e a capacidade crítica dos júris vai ser maior e o critério de seleção vai ser bem mais apurado. Já era um momento único se tornar jurado de Cannes, agora esse valor é ainda maior. Reduzimos em quase cem o número de jurados presentes em Cannes. Eram cerca de 400 e agora teremos pouco menos de 300. O fato de nós não lançarmos nenhuma categoria nova neste ano também mostra que nos preocupamos em só criar novas frentes quando a indústria demanda e exige. E eu vejo muitas oportunidades. Estudamos, por exemplo, a inclusão de esportes e jogos no nosso braço de Entertainment. Mas, neste momento, sentimos que existe uma necessidade muito maior em focar nas categorias existentes. Esse é um ano de critério, de apuro, de qualidade maior ainda. Não vou dizer que é um exercício fácil balancear a grandiosidade das experiências que Cannes gera hoje com a pureza do que era a essência de reconhecer um trabalho que inspira, aquela coisa de voltar um pouco para o passado e passar horas e horas vendo os filmes concorrentes — embora isso continue possível. O fato de crescer traz a oportunidade de ofertar uma experiência muito melhor aos delegados. Também conseguimos ter uma atração de talentos para os seminários muito maior.

RECEITA EQUILIBRADA

É uma coisa razoavelmente equilibrada, a composição da receita entre as três principais fontes: inscrições de trabalhos, delegados e patrocínios. A receita com patrocínio cresceu muito nos últimos anos, acompanhando o crescimento do evento em outras verticais, a maior participação dos clientes e de empresas de tecnologia que têm uma linha muito tênue com a área de mídia. O melhor exemplo que eu tenho disso é uma reportagem publicada pelo The Financial Times em outubro, falando sobre a preparação do Snapchat para o IPO, que dizia que a validação do modelo de valor do Snap com os marketers aconteceu em Cannes. O Snap tem participado forte conosco nos últimos anos, mas especialmente no ano passado. Esse é um dos quatro pilares de Cannes, o do networking — os outros são os de inspiração, aprendizado e celebração.

VALOR TANGÍVEL

A proposta de valor de Cannes mudou em benefício da indústria. Atendemos hoje, com propostas bastante específicas, necessidades de diferentes grupos. Para o mundo de criação, há o legado que Cannes representa, com um sistema de premiação de critério e apuro para aprovação e validação criativa e reconhecimento por meio do Leão. Um processo como esse você constrói em 64 anos. O sistema de premiação é uma das formas mais profundas de mostrar que criatividade deve ter um valor mensurável de retorno sobre o investimento. Quando o McDonald’s diz que trabalhos premiados geram ROI 54% maior, comprova que o valor da criatividade é tangível. Já para os novos talentos, novos criativos, Cannes é um espaço para mergulhar e visualizar processos de transformação que fazem com que a pessoa realmente mude conceitos. Você vai para Cannes com uma cabeça e sai de lá com outra. Agora, para networking, não existe festival nem evento no mundo que tenha um poder tão profundo. E quando falo de networking, não me refiro a se socializar numa mesa tomando vinho rose. É estar lá e ter condição de montar modelos de negócio, relacionamento, parcerias. Cannes é um dos locais do mundo onde você consegue ter a construção dessas relações de forma mais poderosa. Não podemos tirar a experiência do que é estar em Cannes e viver a beleza do lugar, em um ambiente tão propício para fazer negócios, construir relações e ter visão sobre o futuro.

PASSADO E FUTURO

No Brasil, por reconhecer tão profundamente Cannes Lion e ter um histórico legado tão importante, o único downside é que hoje existe uma percepção errada de entender o festival mais como um lugar que celebra retrospecto do que olha para a frente. Celebrar retrospecto faz parte da essência, é um dos pilares do Cannes Lions, mas é muito distante do que é hoje a principal força motriz do festival. Nós formamos cultura, a gente está quebrando modelos de valor, direcionando debates e modelos de tecnologia, direcionando para onde a criatividade pode levar organizações que realmente encampam conceito criativo com a mentalidade de ROI. Hoje, o Cannes Lions é tão obrigatório quanto qualquer evento de inovação, de desenvolvimento de tecnologias. Quem vai para Cannes está olhando 20, 30 anos à frente.

THE DISCOVERY ZONE

Uma das novidades que teremos este ano que mais me orgulho é um projeto chamado The Discovery Zone, no Innovation Lions. Vamos levar a Cannes cem startups, que estamos curando e selecionando uma a uma. Diferentemente de muitos outros grandes festivais, em que qualquer uma participa, em Cannes temos um processo que passa por um crivo criterioso de seleção da proposta de valor da startup. Até agora já tivemos mais de 60 inscritas, e já validamos a participação de 50, mas nossa meta é chegar a cem. Elas se apresentarão em uma área para construir relações, para se conectarem com o mercado. É um negócio que nunca aconteceu em Cannes com essa profundidade. Outra novidade de 2017 será o Night School, nova atividade do Cannes Lions School, onde a gente faz a nossa academia. À noite, vamos transformar esse espaço, aberto aos participantes da academia, mas também a delegados, para uma experiência de aprendizado, com vivência de cases, mas num ambiente superdescontraído e festivo.

NETWORKING INTERCONECTADO

Um dos desafios para o networking em Cannes é você chegar com aquela cabeça de querer socializar com propósito, mas não saber como. Teremos um novo aplicativo, pelo qual vamos oferecer não só a capacidade de interconectar pessoas, mas interconectar por interesse, um processo curado de interconexão, para que elas consigam identificar já antes do festival áreas de interesse, pessoas de interesse, e, com isso, chegar lá com maior possibilidade de engajamentos. É uma plataforma que cruza referências de perfil, background e interesses para promover as relações.

ENGAJAMENTO CONSTANTE

Nosso plano estratégico de longo prazo é o de transformar o Cannes Lions em uma comunidade que se engaja o ano todo, onde não teremos mais o conceito de delegados, mas sim de membros. O sonho é chegar a uma plataforma digital bem robusta, uma evolução do que é hoje o Archive (serviço para assinantes). Nessa nova plataforma de business intelligence, queremos curar toda a base de dados que hoje a gente não transforma em inteligência de negócios. Imagine um momento onde você, como membro de Cannes Lions, tenha acesso à rede, às relações e a eventos. Podemos fazer um round table em San Francisco exclusivo para membros. Ou pegar um grupo de Young Creatives, que fazem parte da nossa comunidade, e colocá-los juntos com algum líder do mercado, nosso embaixador, em Nova York, por exemplo. Então, não será preciso estar em Cannes para saber de Cannes. Com realidade virtual, no futuro os membros poderão clicar no evento e vivenciá-lo. E isso de maneira nenhuma vai tirar a experiência que é estar lá e viver aquilo pessoalmente, mas vai expandir o conceito. Já demos os primeiros passos para essa nova plataforma, e eles poderão ser vistos na evolução brutal do nosso app neste ano, que já permite um engajamento muito maior, um planejamento muito maior. Teremos uma primeira etapa sendo lançada este ano, um produto intermediário ao Archive, que dará acesso àquilo que de melhor acontecer nos seminários, mas será um primeiro passo na evolução da plataforma digital. A proposta de membership é a visão para o futuro.

DIVERSIDADE ÉTNICA

Os patrocinadores não exercem influência na determinação de como a gente compõe os seminários. Têm patrocinadores que nos oferecem conteúdos, mas se não forem relevantes, de valor, o fato de eles patrocinarem não significa que terão espaço nos seminários. Este ano a gente recebeu um recorde de sugestões, foram mais de 1,2 mil, para pouco mais de 300 apresentações possíveis. Essa é uma das maiores dificuldades que a gente tem. Os dois trabalhos mais difíceis da nossa operação são a seleção de júri e de conteúdo. Para ambos é preciso ter o crivo da indústria. A grade de conteúdo tem de ser suficientemente relevante para atender os mais de 15 mil delegados. Na composição do júri é preciso manter diversidade, olhar a questão de gênero. A gente já evoluiu muito na representação feminina. No ano passado, as mulheres foram 40% dos júris e este ano esse índice será ainda maior. A ­preocupação que nós temos de promover a diversidade é crítica. Acho que a próxima questão que devemos entrar é a da diversidade étnica, para continuar nessa jornada de fazer com que o festival seja mais diverso.

BRIEFING CONTRA ESTEREÓTIPOS

Vamos ter uma recomendação formal para todos os júris, alertando sobre trabalhos que transformem mulher em objeto ou perpetuem de forma negativa os estereótipos. Nós informaremos os júris que é importante analisar para cada peça se isso tem um viés de gênero ou não. Para os jurados entenderem de forma bem franca se a peça é aceitável, vamos propor que pensem: e se essa pessoa na peça fosse você? E se fosse seu filho, sua filha, sua irmã, seu pai, sua mãe, você estaria ok com essa peça? Queremos colocar os jurados na posição da pessoa que está sendo retratada. Essa questão de equidade de gênero e de transformar pessoas em objetos será salientada no meu briefing aos jurados. Essa reflexão é poderosa, porque cria um pré-conceito, um direcionamento, e aí os júris conseguem identificar de forma mais evidente o trabalho que tem esse tipo de viés.

SCAM VERSUS PROGRESSIVE WORK

Scam é um trabalho fraudulento que é intolerável. O que é tênue é a linha que divide trabalhos que a gente chama de progressive work. Nós não podemos julgar o que é um trabalho que merece ou não ser considerado progressive work. Há vários exemplos de projetos que quando receberam prêmios em Cannes não eram mainstream, mas que acabaram por se tornar. Há muitos cases que têm uma faís­ca da ideia e nasceram seguindo a regra do festival, de que o cliente aprova, paga e a veiculação existe. Segue as regras do que faz um trabalho crível, mas, de repente, ainda não têm escala. Não vamos cercear a criatividade, o progresso. A crítica que existe muitas vezes é: esse é um trabalho de escala? Teve de fato audiência ou relevância? Nós instruímos os jurados para, caso tenham alguma dúvida sobre qualquer trabalho, que não coloquem essa mensagem abertamente para o júri, pois isso mata um trabalho automaticamente. Pedimos que, antes de mais nada, tragam a dúvida para a organização, pois no background nossa plataforma é muito robusta. Nosso algoritmo é eficiente, monitoramos padrões de votação, conseguimos analisar se há clusters de agências ou países votando para um trabalho especifico. E nosso time está treinado para um trabalho de investigação. Quando há algum tipo de questionamento, automaticamente a gente analisa, falamos com o cliente. Podemos até chegar e dizer: “putz, em 43 mil inscrições, um ou dois escaparam”. Mas a gente explica onde errou, qual foi o problema. Agora, a repercussão negativa explode mais em quem inscreveu.

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